Sono como modulador central da atenção

O papel do sono nos sintomas do Transtorno do Déficit de Atenção

MODULADORES DO TDAH

Neuropsicólogo Mauricio Maluf Barella CRP 06/178046

12/15/20254 min ler

sono e seus impactos no TDAH
sono e seus impactos no TDAH

Introdução

O sono é um processo fisiológico vital para o funcionamento adequado do sistema nervoso central, desempenhando um papel crucial na consolidação da memória, no equilíbrio emocional e no desempenho cognitivo geral. Diversos estudos indicam que a privação de sono — seja por redução de horas, seja por má qualidade — resulta em prejuízos notáveis na atenção, controle inibitório, memória e regulação emocional. Nesse contexto, a avaliação neuropsicológica deve obrigatoriamente considerar o sono como uma variável moduladora central, especialmente quando os sintomas se assemelham aos de transtornos como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

Sono e atenção: mecanismos neurobiológicos

O sono influencia diretamente redes neurais responsáveis pela atenção sustentada, seletiva e alternada, notadamente os circuitos corticoestriatais e frontoparietais. Estudos com neuroimagem funcional revelam que a privação de sono reduz a ativação do córtex pré-frontal dorsolateral, área essencial para o foco atencional e planejamento. Em contrapartida, áreas como a amígdala tornam-se hiperativas, intensificando reações emocionais impulsivas e dificultando o autocontrole.

Efeitos comportamentais e cognitivos da privação de sono

Os impactos mais frequentemente observados incluem:

  • Déficits atencionais: Dificuldade em manter foco, aumento do número de erros por omissão em tarefas e menor capacidade de alternar entre estímulos.

  • Irritabilidade e labilidade emocional: A regulação emocional torna-se instável, afetando tanto o desempenho acadêmico quanto o relacionamento interpessoal.

  • Impulsividade: O sono inadequado prejudica o controle inibitório, resultando em maior impulsividade verbal e motora.

  • Prejuízo de memória: A consolidação mnésica — especialmente da memória declarativa e procedimental — ocorre principalmente durante o sono, especialmente nas fases REM e N3.

Esses sintomas frequentemente se sobrepõem aos observados no TDAH, tornando fundamental uma investigação diferenciada e criteriosa.

TDAH e sono: diagnóstico diferencial e comorbidade

O DSM-5-TR reconhece que sintomas de desatenção, impulsividade e agitação podem ser secundários a distúrbios do sono, como insônia, síndrome das pernas inquietas e apneia obstrutiva do sono. Em contextos clínicos, o desafio é diferenciar:

  1. TDAH primário: Transtorno neurodesenvolvimental com base genética e manifestações antes dos 12 anos.

  2. Sintomas secundários à privação de sono: Casos em que a desatenção e impulsividade surgem após padrões inadequados de sono.

  3. Comorbidade TDAH + distúrbios do sono: A presença simultânea agrava o prejuízo funcional e exige estratégias terapêuticas integradas.

Crianças com TDAH têm maior probabilidade de apresentar distúrbios do sono, como dificuldade para iniciar o sono, despertares frequentes e sono fragmentado.

Avaliação clínica e neuropsicológica do sono

Na anamnese e nos instrumentos de avaliação indireta (entrevistas com responsáveis, escalas comportamentais), é imprescindível incluir perguntas relacionadas a:

  • Horário de dormir e acordar;

  • Dificuldades para iniciar ou manter o sono;

  • Qualidade subjetiva do sono;

  • Presença de pesadelos, terror noturno ou roncos;

  • Fadiga diurna e cochilos frequentes.

Testes como a Escala de Sonolência de Epworth adaptada para crianças, e o uso de diários de sono, contribuem para mapear padrões comportamentais e estabelecer correlações com o desempenho cognitivo.

Evidências empíricas: implicações neuropsicológicas

Estudos com crianças avaliadas neuropsicologicamente demonstram que a má qualidade de sono pode impactar significativamente o desempenho em tarefas como:

  • Stroop Test: Prejuízo na inibição de resposta e controle atencional;

  • Teste de Dígitos (Digit Span): Redução na memória de trabalho e na atenção auditiva sustentada;

  • Tarefas de Fluência Verbal: Diminuição na capacidade de acesso lexical e planejamento fonêmico.

Dessa forma, quadros que inicialmente aparentam ser disfunções executivas podem ser modulados, em parte, por alterações no ciclo sono-vigília.

Sono como fator agravante funcional

Mesmo em crianças com diagnóstico confirmado de TDAH, alterações de sono funcionam como fatores agravantes, interferindo na resposta ao tratamento medicamentoso e psicológico. A literatura aponta que a regulação do sono pode potencializar os efeitos positivos de intervenções comportamentais e farmacológicas.

Além disso, distúrbios do sono podem amplificar dificuldades em funções executivas como planejamento, flexibilidade cognitiva e autorregulação emocional — todas mediadas pelo córtex pré-frontal, cuja atividade depende de níveis adequados de descanso.

Implicações para intervenção

As diretrizes clínicas atuais recomendam que qualquer abordagem psicoterapêutica ou psicoeducacional para crianças com sintomas de TDAH deve considerar a higiene do sono como prioridade. Algumas estratégias incluem:

  • Estabelecimento de rotinas consistentes de sono;

  • Redução de estímulos visuais e eletrônicos antes de dormir;

  • Adoção de práticas de relaxamento, como respiração profunda ou mindfulness;

  • Avaliação por especialistas em medicina do sono quando indicado.

A literatura neuropsicológica também destaca a importância da psicoeducação dos pais e responsáveis sobre os impactos do sono no comportamento e no desempenho cognitivo das crianças.

Conclusão

O sono é um modulador central da atenção, com influência direta sobre as funções executivas, o comportamento e a memória. A privação ou má qualidade de sono deve ser considerada tanto como um fator de confusão quanto como uma comorbidade nos casos de suspeita de TDAH. Assim, a investigação detalhada do sono não deve ser negligenciada em avaliações neuropsicológicas infantis, pois é essencial para o diagnóstico diferencial, planejamento terapêutico e melhora funcional da criança.

Referências

  • American Psychiatric Association. DSM-5-TR: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – Revisão de Texto.

  • Riccio, C. A., Sullivan, J. R., & Cohen, M. J. (2010). Neuropsychological Assessment and Intervention for Childhood and Adolescent Disorders.

  • Camargos Jr., W. & Hounie, A. G. (2005). Manual Clínico do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade.

  • Oliveira, R. M. et al. (2016). Normative Data and Evidence of Validity for the Rey Auditory Verbal Learning Test and Stroop Test With Brazilian Children.

  • Fonseca, R. P. (2019). Funções executivas e aprendizagem. Revista Neuroeducação.

  • Almondes, K. M. (2019). Como avaliar em neuropsicologia do sono